Quem nunca teve medo de olhar embaixo da cama? De ir buscar alguma coisa naquele quarto escuro no fundo do corredor?
Quando criança, o medo do bicho papão nos acompanha quase que todas as noites e nos faz ficar com o coração acelerado e as pernas trêmulas. Voltando no tempo, é difícil recordar quando foi que passamos a desacreditar da existência desse ser assustador da nossa infância.

Não há mais sinal do bicho papão no quarto escuro. Fato. Mas o medo não foi embora. Como um ser transmutado, é ele que agora nos impede de seguir em frente, nos impede de olhar pra novos caminhos. Por medo de não acertar o gabarito, por medo de enfrentar os bloqueios acabamos deixando para trás aquela vontade descobrir o que realmente pulsa dentro de nós... Temos medo de nos vestir de sonhos e ir... Assim mesmo.
Há alguns dias li um conto chamado “O Bicho-Papão” e cada vez mais acredito que os textos literários são fontes muito valiosas e até mesmo sedutoras para inflar nossa bagagem de conhecimentos, questionamentos dentro das perspectivas ‘shoshin’, ‘what if... ’, ‘inputs’ ‘não se contentar com a primeira resposta certa’... Muitas vezes, quanto mais ‘ilógica’ for a narrativa, mais conquista quem a lê.
Mas não basta isso, é preciso que também que haja identificação. E essa identificação, muitas vezes, ocorre quando o texto aborda, ainda que, metaforicamente, aspectos da nossa formação como seres humanos, de constituição do eu e da nossa relação com o mundo e dos medos que envolvem esses processos todos.
O bicho-papão* é um conto de Dino Buzzati, para adultos, e nos convida a viajar nesse universo misterioso para, quem sabe, fazer as pazes com nosso bicho-papão?!
Destaquei uns trechinhos para deixar vocês com vontade de ler o conto na íntegra:

Aprenda a desenvolver e incentivar a criatividade natural das nossas crianças.

É possível através de técnicas simples resolver qualquer problema ou desafio de forma criativa e inovadora.


a aprendizagem?

O que a esteira rolante, o cinto do batman e a cauda longa podem nos ensinar sobre a aprendizagem?

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ACESSAR DEGUSTAÇÃOComo se sabe, o bicho-papão assumia diversas formas, segundo os países e os costumes locais. Naquela cidade, desde tempos imemoriais, tinha a aparência de um animal gigantesco, escuro, cuja figura era uma mistura de hipopótamo e de tapir. Horrível à primeira vista. Mas, observando bem, com olhos imparciais, notava-se, pelo vinco bondoso da boca e o brilho quase afetuoso das pupilas, relativamente minúsculas, uma expressão, ao contrário, absolutamente sem maldade.
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Na manhã seguinte. Paudi não se desculpou com a pobre Ester. Pelo contrário, o fato de ter constatado ele próprio que o bicho-papão realmente existia aumentava, junto com sua indignação, a firme determinação de tudo fazer para afastar o sujeito.
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De fato: proclamar o ostracismo do bicho-papão era uma coisa, conseguir eliminá-lo era outra bem diferente, é claro que não se podia confiar na disciplina cívica, tanto mais que não se sabia se ele tinha capacidade de compreender a língua. Tampouco se podia pensar em capturá-lo e encaminhá-lo ao zôo municipal: que jaula poderia reter um animal, caso fosse um animal, capaz de sumir através das paredes? Mesmo o veneno devia ser descartado: o bicho-papão nunca fora visto comendo ou bebendo. Então o lança-chamas? Uma pequena bomba de napalm? O risco para a população era excessivo.
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Foi uma cena estranha. Lentamente, o bicho-papão rodou sobre si mesmo, sem um único estremecimento e, com as patas para cima, foi caindo até pousar na neve. Onde ficou deitado de costas, imóvel para sempre. A luz da lua se refletia sobre o ventre enorme e enrijecido, brilhante como guta-percha.
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Disseram que no céu, enquanto a criatura morria, não apenas uma, mas duas luas brilhavam. Contaram que, por toda a cidade, pássaros noturnos e cães se lamentaram longamente. Correu o boato de que muitas mulheres, velhas e meninas, despertadas por um chamado sombrio, saíram das casas, ajoelhando-se e rezando ao redor do pobre infeliz. Nada disso foi comprovado historicamente.
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* Conto extraído do livro: As noites Difíceis / Dino Buzzati; introdução de Domenico Porzio; tradução de Fulvia M. L. Moretto. - Rio de Janeiro; Nova Fronteira, 1986. (Contos e crônicas de autores estrangeiros).
Já fui farmacêutica, microbiologista, professora de música. Atualmente sou servidora pública numa universidade num laboratório de histologia, estou fazendo licenciatura em dança e escrita criativa.Moro em Porto Alegre, amo aprender, música, estudos do corpo, estudos da mente, escrita, animais (especialmente felinos, tenho 2), meditar, pedalar, improvisar receitas com o que tem na geladeira.